Mudança de estratégia do BC pode impulsionar tokenização no Brasil
Ao deixar de lado a tecnologia blockchain para avançar com o Drex, o Banco Central (BC) pode, de uma forma curiosa, impulsionar a adoção de stablecoins e a tokenização de ativos no Brasil. Essa é a análise de especialistas que acompanham o setor.
Daniel Coquieri, CEO da Liqi, enfatiza que, mesmo que o Drex seja importante, o setor privado tem caminhos próprios para viabilizar a tokenização. Ele destaca que já existem iniciativas consistentes, tanto em redes privadas quanto públicas, que oferecem segurança e escalabilidade adequadas para esse tipo de projeto.
No curto prazo, Coquieri sugere duas ações urgentes que o BC deve considerar. A primeira é criar normas claras para que as stablecoins funcionem como uma camada de liquidação nos mercados financeiros. A segunda é estabelecer diretrizes para a emissão de ativos diretamente on-chain, o que ajudaria a reduzir a diferença entre os mundos off-chain e on-chain. Para ele, dar esse passo seria um verdadeiro avanço na infraestrutura digital que o Brasil está construindo.
Alternativas ao Drex: a visão de um modelo híbrido
Em sintonia com essa opinião, Deivison Arthur, CEO da EBX, propõe que o BC abandone a ideia de uma moeda digital completamente centralizada e busque um modelo de CBDCs sintéticas. Essa abordagem permitiria que empresas do setor privado emitissem moedas digitais lastreadas e reguladas pelo governo.
Essas sCBDCs teriam uma operação mais descentralizada, abrindo espaço para a inovação local e a inclusão de stablecoins. A analogia que Arthur faz é com a regulação já adotada nos Estados Unidos, onde emissores de stablecoins precisam garantir lastros com títulos públicos. Com isso, o governo ficaria responsável pela regulação, enquanto as empresas cuidariam da infraestrutura e gestão de riscos — uma verdadeira união entre segurança pública e agilidade do setor privado.
Adotar essa proposta poderia integrar o real digital ao Pix, que atualmente enfrenta desafios como vulnerabilidades a fraudes e um aumento nos custos operacionais que podem obrigar a mudança do modelo de gratuidade. Arthur acredita que, ao unir uma forte regulação com a inovação do mercado, o Brasil poderia criar uma nova versão do Pix, mais robusta e preparada para o futuro.
Privacidade: o desafio do Drex
Gustavo Cunha, fundador da Fintrender e autor do livro “A Tokenização do Dinheiro”, também comenta sobre o novo direcionamento do BC. Para ele, essa mudança focada em soluções práticas deve acelerar a tokenização no Brasil, facilitando a criação de regras que permitam à iniciativa privada desenvolver soluções sem reinventar toda a infraestrutura de liquidação.
Cunha acredita que estamos caminhando para uma nova era da internet, a Web3, que depende da superação de obstáculos de privacidade. O uso de uma rede permissionada, como estava no conceito do Drex, complicou essa questão. No entanto, ele acredita que, com tecnologia adequada, será possível realizar transações que preservem a privacidade dos usuários enquanto se beneficiam da interoperabilidade global.
Na opinião de Cunha, a experiência com o Drex serviu para colocar a tokenização no radar do sistema financeiro brasileiro, incentivando uma série de atores, como bancos e startups, a investir nesse novo campo. Agora, o objetivo deve ser continuar avançando na tokenização, independentemente do futuro do Drex.
Por fim, Ricardo Santos, engenheiro que participou do piloto do Drex, também levantou algumas preocupações. Para ele, é essencial fazer ajustes no projeto para evitar a criação de um sistema isolado e centralizador, que limitaria a integração do Brasil ao sistema financeiro global.